O projeto de lei do Poder Executivo, sobre a Reforma da Previdência Social, chegou ao Legislativo no dia 30 de abril. Entretanto, a Câmara dos Deputados se antecipou e, mesmo antes de receber a proposta da Presidência da República, já havia instalado uma Comissão Especial sobre a Reforma da Previdência Social.
O debate no Congresso Nacional estava bem aquecido quando chegou a proposta do Governo. Tanto a Câmara quanto o Senado já haviam recebido o Ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini para discutir a Reforma. Entidades reguladoras e fiscalizadoras da Previdência, o Ministério Público e @s representantes das centrais sindicais, do movimento das trabalhadoras rurais e dos magistrados também tinham sido ouvidos pela Comissão Especial da Reforma, em sucessivas audiências públicas realizadas semanalmente.
Os conceitos de Seguro Social e de Seguridade Social são divisores de água, que levam a diferentes reformas. O senador Aloízio Mercadante, líder do governo no Congresso Nacional, em recente pronunciamento no Plenário do Senado, confirmou a sua opção pela Seguridade Social e alertou: "Há 40 milhões de brasileiros fora do sistema de Seguridade Social. Ou fazemos uma reforma para promover a inclusão social, ou não haverá sistema de Seguridade Social para os pobres, para os que não têm carteira de trabalho, para os que não têm proteção social alguma. Estes, no fim da vida, serão amparados pela Lei Orgânica da Assistência Social e, na velhice, receberão meio salário mínimo. Portanto, precisamos reformar o sistema para fazer justiça. O número de trabalhadores, com carteira assinada diminuiu nos anos 90. Aumentou a exclusão social. Portanto, a Reforma tem de ser corajosa e generosa com os mais pobres. Neste país, a justiça para os mais pobres, para os excluídos significa, sim, aumentar a cobertura da Previdência Social, mas dentro do Sistema de Seguridade, distribuindo com justiça os poucos recursos que este país tem".
Em que pese o pronunciamento do líder do governo, a afirmação de que há um déficit previdenciário tem ganhado fôlego. O fato, oficialmente reconhecido, de que o Orçamento da Seguridade Social é superavitário vem sendo com freqüência confrontado pela concepção de que existe déficit. Em recente pronunciamento no Plenário da Câmara, o deputado Miguel do Couto (PT-PR) trabalhou seu argumento a partir desta constatação. Ele disse: "O déficit de todo o sistema previdenciário brasileiro atingiu R$ 17 bilhões no ano passado e deve atingir R$ 23 bilhões em 2003. É com esta imensidade de números que vamos nos deparar e é sobre eles que vamos discutir e aprovar uma mudança profunda do sistema atual".
Não pela mesma estrada, mas indo na mesma direção, o deputado Cláudio Magrão (PPS-SP) afirmou: "A nossa Previdência está há muito quebrada, e se providências não forem tomadas, urgentemente, acabará por levar de roldão o Brasil". Para ele, a Reforma tem de ser "ampla, para que os privilégios cessem; justa para evitar que os absurdos desníveis de renda da população não se perpetuem; e plausível, para que se respeite a capacidade contributiva de cada qual".
A sustentabilidade financeira da Previdência Social está ameaçada pelas fraudes, pela sonegação, pelas isenções. O deputado Hélio Costa (PMDB-MG) é taxativo: "O déficit das contas da Previdência resulta essencialmente da péssima gestão administrativa dos sucessivos governos. No debate sobre esta questão, entretanto, aos servidores públicos tem sido reservado o papel de bode expiatório". O deputado Agnaldo Muniz (PPS-RO) denuncia: "Foi uma campanha sórdida de desqualificação dos servidores".
A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) em pronunciamento realizado no Plenário da Câmara disse que por trás dessa campanha contra os servidores escondem-se as "chamadas forças do mercado, interessadas nos lucros que podem auferir" com a criação de previdência complementar privada.
A inclusão de novas cidadãs e cidadãos no sistema é questão relegada a um plano inferior do debate, em que pese o perfil altamente excludente da Previdência Social. O esforço político para pautar esta questão veio de organizações do movimento de mulheres, do movimento negro e de redes, fóruns e articulações nacionais de outros movimentos sociais e ONGs. A repercussão já é visível nas resoluções do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sobre a questão, assim como nos debates que vêm sendo travados nos Plenários da Câmara e do Senado e, mais sistematicamente, na Comissão Especial de Reforma da Previdência Social, onde as deputadas titulares Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Maninha (PT-DF), e as suplentes Alice Portugal (PCdoB-BA) e Luciana Genro (PT-RS) travam uma batalha semanal sobre esta questão.
Exclusão
Nos Plenários da Câmara e do Senado, o caráter excludente do sistema e sua capacidade de reproduzir e potencializar as desigualdades de gênero foi alvo de críticas. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) quer que o debate sobre a Reforma "rejeite de pronto qualquer proposta que busque pretensamente em nome da igualdade, na verdade constituir ou aprofundar desigualdades dentro da sociedade brasileira". Na opinião da parlamentar gaúcha, a tentativa de igualar prazos para homens e mulheres na aposentadoria é um verdadeiro absurdo, porque grande parte das mulheres brasileiras está hoje excluída do sistema previdenciário. E as que estão incluídas estão em absoluta desvantagem em relação aos trabalhadores do sexo masculino. O deputado Agnaldo Muniz (PPS - RO), entretanto, vai noutra direção. Ele acredita que "as regras da aposentadoria tem de ser uniformes para homens e mulheres".
O atual quadro de exclusão das mulheres do sistema previdenciário é algo que também preocupa o senador Augusto Botelho (PDT-RR): "O aspecto contributivo deve ceder espaço a outros paradigmas práticos e teóricos para que a Previdência possa cumprir a contento um dos seus desideratos, qual seja o de resguardar as pessoas quando chegada a velhice, mesmo que não haja por parte dessas contribuição efetiva. Exemplo prático é o da mulher que trabalha em casa toda uma vida e, com a morte do cônjuge ou o divórcio, vê-se na condição de total desamparo justamente na hora que mais precisa. Outro exemplo é o da pessoa que cuida durante muitos anos de doentes em família, os chamados cuidadores. Por ter um papel indispensável ao corpo social, essas pessoas não podem ficar alijadas do sistema previdenciário".
No Congresso Nacional, os esforços dos movimentos de mulheres para incluir estes temas no debate vêm sendo dire-cionados à Comissão Especial de Reforma da Previdência Social e à Bancada Feminina no Congresso Nacional, devendo ampliar-se à medida que o projeto do Executivo avance a sua tramitação. Reuniões técnicas, seminários, solicitação para que lideranças dos movimentos feminista e de mulheres sejam ouvidas em audiência pública na Comissão Especial são algumas iniciativas que já estão em curso e que deverão efetivar-se nos próximos dois meses. Toda esta mobilização visa, por um lado, ampliar o espaço para a apresentação e debate, com o Poder Legislativo, das propostas dos movimentos de mulheres e feminista sobre a equidade de gênero e étnico-racial no âmbito da Reforma. E, por outro lado, oferecer argumentos, subsidiar e fortalecer a atuação daquel@s parlamentares compro-metidos com esta agenda.