Quase lá: Mulheres e desenvolvimento

Eliana Magalhães Graça
Socióloga e assessora parlamentar do CFEMEA
Duncan Semple
Historiador e consultor do CFEMEA

A transversalidade de gênero, no planejamento governamental, é fundamental para o progresso do país.

Relatório da ONU intitulado "O estado da população mundial 2002: população, pobreza e oportunidades", lançado no último dia 3 de dezembro, demonstra que o número de mulheres que vivem na pobreza é superior ao de homens - principalmente em países em desenvolvimento - e que a assimetria entre os gêneros aumentou na última década. A fim de medir a desigualdade de gênero nas relações de poder, a ONU utilizou a saúde e a distribuição do tempo, variáveis muito mais importantes que o rendimento, para dimensionar o bem-estar entre homens e mulheres.

Uma das conclusões é que as mulheres trabalham mais horas do que os homens e que metade de seu tempo é gasto em atividades não remuneradas. Ora, na medida em que grande parte deste trabalho não remunerado não é incluído nos sistemas de contabilidade nacional, esse trabalho não pode ser apoiado, ou modificado, pois o que os governos não contabilizam, o que não pode ser mensurado, não pode ser transformado em números, em estatística, não recebe apoio.

Os dados apresentados mostram também a existência de um "efeito população" no crescimento econômico: quando a taxa de fecundidade reduz há um crescimento econômico mais rápido. O relatório cita o caso brasileiro onde a queda da fecundidade resultou num aumento de 0,7% do PIB per capita. Ou seja, os países têm progredido mais quando fornecem serviços de saúde reprodutiva, planejamento familiar e aumentam a cobertura e a qualidade da educação, promovendo a igualdade entre os sexos.

Dentre as ações julgadas essenciais pelo relatório mundial destaca-se que "é preciso sempre avaliar qualquer iniciativa dos governos sobre duas questões básicas: se irá prejudicar os pobres e se discriminará as mulheres", ou seja, toda e qualquer política de inclusão, de combate à pobreza deve ter como ponto de partida o questionamento de seus efeitos sobre as mulheres.

As colocações feitas por esse relatório da ONU podem ser consideradas, pelos movimentos de mulheres, como já ditas e sabidas. Porém, no atual momento em que passamos, de mudanças e esperanças, é fundamental que se recorde aos nossos futuros governantes e planejadores a importância do enfrentamento das desigualdades de gênero e raça para o desenvolvimento econômico e social do país.

No final do mês passado, o CFEMEA produziu, em conjunto com o SOS Corpo e a AMB, uma proposta sobre a transversalidade de gênero para o Plano Plurianual (PPA), a ser elaborado pelo próximo governo, no primeiro semestre de 2003. O documento foi entregue à companheira Vera Soares, responsável pela questão de gênero na equipe de transição.

O PPA é o instrumento de planejamento governamental com maior capacidade de definir o que é estratégico. Por meio dele é que se pode enfrentar o fato de que os benefícios do desenvolvimento não chegam igualmente às mulheres e homens, aos brancos e negros, aos urbanos e rurais.

O próximo plano (2004-2007) começa a ser elaborado nos primeiros meses de 2003. Os primeiros seis meses de atuação serão cruciais para garantir algum poder de influência estrutural nos processos de desenvolvimento brasileiro ao longo do novo governo.

O PPA identifica os problemas e define a forma de enfrentá-los, ou seja: que Programas e Ações são necessárias e suficientes para solucionar cada problema. Um processo democrático e participativo na sua formulação daria condições para que emergissem, das próprias organizações de mulheres, os problemas centrais e as ações pertinentes para o alcance da igualdade.

As disparidades de gênero persistem uma vez que as instituições econômicas e sociais não têm levado em conta a promoção da igualdade, como por exemplo, o planejamento governamental. O que o relatório da ONU comprova é que as disparidades de gênero afetam não só as próprias mulheres, mas a sociedade em geral, tornando essa sociedade mais pobre.

No Brasil, ainda não foram isolados, para posterior análise, os prejuízos acarretados por políticas macroeconômicas e estratégias de desenvolvimento que não levaram em conta as desigualdades de gênero e raça. Mesmo assim, é visível a conseqüência imediata: a maioria das mulheres ficou privada de seus direitos mais elementares, carente de poder e a pobreza não foi superada. O novo governo, via PPA, tem a obrigação de resgatar o principal papel do planejamento que é o de promover o desenvolvimento, diminuindo as desigualdades sociais.


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