Campanha 28 de setembro - Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe
É na região da América Latina e Caribe que estão presentes as maiores restrições legais ao direito das mulheres de decidir pela interrupção da gravidez. Em todos os países em que vigoram estas restrições, os abortamentos ilegais realizados em condições muito precárias representam um grave problema de saúde pública. Problema cuja solução enfrenta limites de ordem moral e religiosa.
Sabemos que os governos têm como atribuição oferecer à população os serviços médicos fundamentais e necessários, entre os quais se inclui o aborto seguro nos casos onde a legislação assim o permite. Além disto, nossos países se comprometeram, nas conferências promovidas pela ONU no Cairo e em Beijing, a revisar suas leis para promover a despenalização do abortamento. Entretanto, o que presenciamos hoje é uma verdadeira cruzada na contramão dessas políticas.
Convicções religiosas não podem e nem devem ser colocadas acima do direito à livre decisão pelo abortamento. E para que isto seja possível, é preciso que vigore o Estado Laico.
Entendemos o laicismo - ou secularismo - como qualidade imprescindível para haver democracia, com leis e políticas que se destinam a todas as pessoas, independente de seus preceitos morais ou crenças religiosas. O marco ético da secularização é um dos requisitos para uma sociedade plural com base na tolerância e respeito à diversidade. No Estado Laico não podem vigorar princípios teológicos na prática dos governantes ou legisladores, pois cabe ao Estado Laico garantir, a todos os cidadãos e cidadãs, o exercício da liberdade de consciência e o direito de tomar decisões livres e responsáveis.
A colonização da América Latina e Caribe teve como marca a influência religiosa nos poderes públicos, sobressaindo-se a voz da hierarquia católica. Recentes reformas democráticas tentaram apagar os resquícios desta influência, em particular nos dispositivos constitucionais sobre sexualidade, vida reprodutiva e estrutura familiar que cerceiam principalmente a liberdade das mulheres de decidir sobre todos os aspectos de sua vida.
Mesmo que há 36 anos o Concílio Vaticano II, em sua "Declaração sobre a liberdade religiosa", tenha aceitado o princípio de separação entre Igreja e Estado, o que presenciamos hoje é um retorno à presença de princípios teocráticos nas políticas públicas, em particular quando o tema é o aborto.
Nas três últimas décadas, o movimento de mulheres conquistou avanços em termos de direitos civis, políticos e humanos. Um desses avanços foi a legitimação de direitos no âmbito reprodutivo, forjados para promover a autonomia e a dignidade humana. Neste campo se situa o direito à interrupção da gravidez.
Documentos internacionais das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos legitimaram esses direitos. Algumas reformas legislativas nacionais começaram a incorporar estes avanços. Políticas públicas têm sido implementadas em alguns países, como as políticas de planejamento familiar; de atendimento especializado às mulheres vítimas de violência sexual; de educação sexual nas escolas. E também políticas de atendimento humanizado às mulheres com seqüelas por aborto clandestino e de atendimento ao abortamento nos casos previstos na Lei.
Infelizmente, essas conquistas vêm sendo ameaçadas pela retomada estratégica da influência de valores religiosos sobre os Estados e pela crescente presença de aliados dos fundamentalismos nos poderes públicos.
Na América Latina e Caribe, as estratégias de intervenção institucional de setores hierárquicos religiosos, na contramão do desenvolvimento das democracias nacionais, se acentuaram a partir de 1997. Cercear a decisão pelo abortamento é um foco privilegiado dessas intervenções.
É preciso que a sociedade civil questione firmemente essas tentativas de retrocesso secular, em que pessoas no exercício do poder agem como se Igreja e Estado fossem uma só instituição. Por isto, a Campanha 28 de Setembro escolheu a defesa do Estado Laico como mote de suas atividades em 2002.
Trechos do documento elaborado pela Coordenação Regional da Campanha 28 de setembro. Leia a íntegra em: www.campanha28set.org.