Quase lá: O que eu tenho a ver com a sua religião e com o seu Deus?

O tempo da inquisição que se disse santa já passou

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Sou católico, apostólico e romano. Ou seja: submeto-me à liderança do papa, que é o bispo de Roma, embora nem sempre concorde com o que ele diz. Fui batizado e crismado. Aos cinco anos de idade, comunguei pela primeira vez. Recebi a hóstia das mãos do meu tio, dom José de Medeiros Delgado, irmão de minha mãe, e à época arcebispo de São Luís do Maranhão.

Conheci pessoalmente dois santos da Igreja Católica: irmã Dulce e madre Teresa de Calcutá, a quem entrevistei para a revista Veja. Convivi por anos com um aspirante a santo, cujo processo de beatificação foi aberto: dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife. É possível, mas não garanto, que eu tenha algum grau de parentesco com São Leonardo de Noblat.

Nascido no século V, Leonardo foi um nobre francês, afilhado do rei Clóvis, que se converteu ao cristianismo. Fundou um monastério na região de Limousin, em torno do qual se criou uma cidade que hoje leva o nome dele: Saint-Léonard-de-Noblat. É o santo protetor das mulheres grávidas e dos prisioneiros, reverenciado pelas igrejas Católica e Ortodoxa.

Estudei em colégios católicos e me formei em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco. Já não vou à missa aos domingos como deveria, mas todas as noites rezo antes de dormir. Diante das atrocidades do mundo, às vezes me indago: “Será que Deus existe?”. Mas é a Ele que peço socorro quando sinto medo. Exemplo: dentro de um avião que sacode muito.

É por isso que vos digo: sou contra o aborto e a favor da vida; é o que todos dizem, até mesmo os que desejam e provocam a morte alheia. Mas é por ser a favor da vida que não posso concordar com os que querem condenar uma criança estuprada a dar à luz. Com frequência, ela nem sabe o que é estupro, não sabe que foi estuprada e não sabe que está grávida, e o que isso significa.

Não é justo impor a essa criança os princípios da religião que eu professo ou os princípios de qualquer outra religião. O Brasil é um Estado laico, não um Estado religioso. Um Estado laico assegura a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos, mas não permite a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e culturais. Em um Estado assim, abortar não pode ser crime.

O aborto é considerado crime no Brasil, salvo em três casos: anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto; gravidez que coloca em risco a vida da gestante; e gravidez que resulta de estupro. Mas por que somente nesses três casos? Ora, por motivos religiosos, apenas por isso; pelo que mais seria? Pergunto: e os ateus que não acreditam na existência de um deus ou deuses?

Por que eles devem ser regidos por leis ditadas pelos que acreditam na existência de um ou mais deuses? Só por que esses se dizem maioria? E o direito das minorias em um Estado democrático? Deve ser mantido ou abolido? Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é direito das minorias dentro do Congresso. O tempo da inquisição dita santa passou há séculos.

Ninguém é obrigado a abortar. Aborta quem quiser. E o papa que me perdoe.

 

fonte: https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/o-que-eu-tenho-a-ver-com-a-sua-religiao-e-com-o-seu-deus

 

 

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