De 2000 a 2016, ao menos 4.455 mulheres morreram em decorrência da proibição do aborto
A opinião pública se movimenta a favor da maternidade desejada. Não quer ver encarceradas as mulheres e meninas que, por razões as mais variadas, mas sempre difíceis, se veem na impossibilidade de levar adiante uma gravidez não planejada. Em 2023, a porcentagem da opinião pública contrária à prisão de mulheres que interrompam a gravidez chegou a mais de 57%, número que sempre foi superior a 50% desde 2018 (Cesop/Unicamp, SPW e CFemea).
Na maioria, são mulheres negras e com empregos precários as que realizam abortos em condições altamente vulneráveis e inseguras. A criminalização do aborto e a falta de uma política eficaz de informação e de métodos contraceptivos resultam no desperdício de vidas humanas e em gastos públicos no Brasil: em dez anos (2008 a 2017), o SUS gastou R$ 486 milhões com internações decorrentes de complicações do aborto, sendo 75% deles provocados (Folha). Foram 2,1 milhões de mulheres internadas no período. De 2000 a 2016, ao menos 4.455 mulheres morreram.
Em contraposição à tendência da maioria da opinião pública e ao avanço dos direitos das mulheres rumo à plena dignidade, há propostas de leis que pretendem a proibição absoluta da interrupção da gravidez. O projeto de lei 4150, de 2019, pretende antecipar um ponto central do Estatuto do Nascituro, PL 478, que tramita no Congresso Nacional desde 2007, ou seja, a proibição total da interrupção voluntária da gravidez. Será que tal projeto ou outro que busca impor uma consulta pública medem a desproporcionalidade de negarem os direitos das mulheres à vida digna em nome de fetos ainda não nascidos?
Entendemos que os direitos sexuais e reprodutivos são interdependentes à saúde e à dignidade, direitos fundamentais constitucionais e que, por isso, não faz sentido uma consulta pública nem propostas legislativas que suprimam direitos. Tendo em vista a ADPF 442, cabe ao STF analisar a ação sobre a descriminalização do aborto. A ação se baseia no princípio jurídico da ponderação, limitando a interrupção voluntária da gravidez às 12 primeiras semanas. É esse mesmo princípio que permite a interrupção da gravidez decorrente de estupro, da gestação que implique grave risco à saúde e vida da mulher ou quando se trate de anencefalia fetal, independente da idade gestacional.
Resta-nos clamar que o STF compreenda a interdependência dos direitos sexuais e reprodutivos em relação aos direitos à vida digna e à saúde das mulheres.
Resta-nos clamar que a sociedade civil cada vez mais se encaminhe a favor das mulheres que, em sua vida vivida e diante de difíceis condições, não possam levar adiante uma gravidez.
Resta-nos esperar que novas propostas legislativas venham a favor dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres que compõem os direitos fundamentais à dignidade, à vida e à saúde das mulheres.
Nosso apelo é para que cheguemos a um Brasil onde as mulheres possam acessar os direitos à dignidade, à igualdade e à maternidade desejada consubstanciais à plena cidadania.
fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/12/pela-maternidade-desejada.shtml