Quase lá: ABORTO – Quem ganha com a descriminalização?

Alvo de críticas entre grupos conservadores e previsto como crime no Art. 124 do Código Penal, o aborto volta a ser pautado no Supremo Tribunal Federal –STF.

Por Ivan Costa, da ANF

A Presidente do STF, ministra Rosa Weber, deve colocar em pauta nos próximos dias o pleito que poderá garantir às mulheres direitos reprodutivos. A última agenda divulgada pelo judiciário encerrou no mês de agosto e até o momento não foi inserida, como a presidente da casa se manteve relatora do processo quando assumiu o supremo, a expectativa é que a pauta seja votada antes da aposentadoria em outubro.

Embora previsto em lei como crime no Brasil, o aborto é reconhecido pelos serviços de saúde e pela própria OMS –  Organizações Mundiais da Saúde. Em março de 2022, a OMS disponibilizou uma cartilha com Diretrizes sobre cuidados no aborto.

O objetivo é apresentar recomendações e melhores práticas relacionadas ao tema. O texto aborda que “Embora os contextos jurídico,… possam variar de país para país, as recomendações e as melhores práticas descritas… destinam-se a possibilitar a tomada de decisões baseadas em dados factuais no que toca à qualidade dos cuidados no aborto”.

No mesmo ano, o Diretor-geral da OMS lançou apelo a favor do direito ao aborto. Na ocasião, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que, “Restringir o acesso ao aborto não reduz o número de procedimentos. A restrição leva mulheres e jovens a recorrerem a procedimentos perigosos”, o diretor destacou também que “O acesso a um aborto seguro pode salvar vidas”. Na mesma época, o então presidente Lula (PT), foi bastante criticado por defender a pauta. Mesmo se dizendo contra, afirmou que o tema vai além de questões ideólogicas: é preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública” afirmou.

 

Infográfico: crédito – Ivan Costa

Atualmente

É estabelecido no Código Penal brasileiro, que a interrupção gestacional é crime, abrindo precedentes em caso de estupro, risco de morte para a gestante ou quando o feto é diagnosticado com anencefalia fetal. Contudo, existem meninas e mulheres em fase gestacional que por vergonha, intimidação ou falta de acesso a informações, desistem do processo do aborto legal. Muitas buscam clínicas e medicamentos clandestinos que colocam a saúde e muitas vezes, a vida em risco. 

Como forma de minimizar os estragos provocados pela falta de Informações, pesquisadores têm mobilizado esforços para criação de mecanismos que permitam o acesso às informações, e no combate aos danos causados pela criminalização. Todavia a inclusão e aprovação da pauta de julgamentos no STF, dá legitimidade a um direito único e exclusivo das mulheres.

Gravidez na adolescência 

Na Bahia, o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (CIDACS – Fiocruz Bahia), em parceria com o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC / UFBA), apresentou em janeiro de 2023 a  cartilha “Sem Deixar Ninguém para Trás”, desenvolvida a partir do projeto Desigualdades e Gravidez na Adolescência”.

O material disponibilizado pelo CIDACS,  alerta sobre as condições que podem levar à gravidez de meninas, especialmente aquelas relacionadas a desigualdades estruturais de raça e gênero. A ideia é que o conteúdo da cartilha traga subsídio em  diversos segmentos sociais e apoie a população mais impactada com falta de informações sobre o tema, em alguns casos, até auxiliar nas tomadas de decisão.

 

Imagens Cartilha da Fiocruz Bahia

 

Cientista, Doutora em Saúde Pública e Epidemiologista, Emanuelle Góes, contribuiu no desenvolvimento da pesquisa e dos conteúdos da cartilha, ela afirma que as adolescentes mais jovens de 10 a 14 anos, estão submetidas a mais violências. De acordo com a cartilha, o primeiro ponto é trabalhar com esse grupo, porque é entendido que a maternidade na adolescência é uma questão de saúde pública”. 

Vale salientar que a cartilha observa as desvantagens evidenciadas pelo racismo institucional que interagem com outros marcadores, cujo exemplo pode se apontar o etarismo. São barreiras que delimitam acesso a serviços de saúde reprodutiva e a educação, já que a  maternidade na adolescência contribui para a evasão escolar. 

Analisando os dados fornecidos pelo sistema DATASUS e divulgado pela Fiocruz na cartilha, é possível verificar que mais de 80% das jovens que dão à luz no Brasil, tem entre 10 e 19 anos. Um outro percentual alarmante se reflete na violência sexual contra essas meninas e adolescentes, conforme demostra o gráfico:

 

Fonte: Cartilha Fiocruz Bahia

Segundo a Epidemiologista, o perfil e regiões com maior incidência de casos em que adolescentes engravidam são de “meninas negras, meninas do norte e nordeste do Brasil que estão muitas vezes em regiões afastadas, na periferia…”. Sobre os espaços que geralmente esse crime acontecem, ela afirma que: “…a violência sexual  é um fenômeno Global, e ocorre principalmente no espaço domiciliar…”. 

A cientista destaca também, as camadas que essas adolescentes estão inseridas e o perfil de quem optar pela continuidade da gestação, deixando evidente quem é mais impactada com a decisão; “Sabemos que a gravidez na adolescência é um fenômeno que atinge diversas camadas sociais, mas, a permanência da gravidez para o exercício da maternidade, o maior percentual são grupos de meninas, mulheres que têm menos acesso a interrupção da gravidez de forma segura… e a gente vai ter um perfil diferente daquelas que conseguem interromper mesmo clandestinamente, mas de forma segura, daquelas que quando não interrompem permanece na maternidade… são adolescentes, e quando interrompem muitas vezes é de forma insegura e leva a morte materna ou um quadro grave da Saúde reprodutiva” 

Aborto Legal

O aborto legal é um procedimento de interrupção de gestação autorizado pela legislação brasileira e que deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É permitido nos casos em que a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia do feto.

Nos contextos atuais, é estabelecido no Código Penal Brasileiro “Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem o provoque: Pena – reclusão, de três a seis anos.”  A cartilha “Sem Deixar ninguém para trás”, adverte que “As mulheres têm o direito de tomar as suas próprias decisões sobre suas trajetórias reprodutivas. Isso se refere, por exemplo, a se, quando e com que frequência desejam engravidar.” 

O programa de ação desenvolvido na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento – CIPD, que aconteceu no Cairo em 94, concorda que a saúde sexual e reprodutiva é fundamental para o desenvolvimento econômico, social e sustentável. O projeto tem como base – a não discriminação e a universalidade – a centralidade da saúde, educação e empomderamento das mulheres no ensejo do desenvolvimento sustentável – e a necessidade coletiva para assegurar a sustentabilidade ambiental.

Foi na Conferência que feministas negras introduziram o conceito Justiça Reprodutiva pela primeira vez ao mundo, como forma de reivindicar e apontar as violências vividas por meninas e mulheres, além da falta de políticas adequadas. A ferramenta de combate às desigualdades vai além de raça, gênero e outros marcadores estruturais.

Na câmara de deputados alguns opositores tentam inviabilizar o aborto no Brasil, apresentada pelo senador Aécio Neves em 2015 a PEC 181. Inicialmente a PEC foi criada para ampliar o tempo da licença maternidade. Em 2017, o representante da bancada religiosa, o Deputado Jorge Mudalen, então relator da pasta, alterou a proposta incluindo no inciso 3 do artigo 1° da Constituição e no artigo 5°. A frase “desde a sua concepção” que inserida nos dois parágrafos do documento, deslegitima o direito de decisão de meninas e mulheres sobre seus corpos em detrimento a sua vontade.

Jaqueline Neves é Médica Ginecologista e Obstetra, atende diversas ocorrências em seus plantões, ela analisa a legalização como benéfica para a saúde de suas pacientes: “a lei de descriminalização do aborto beneficia as mulheres, pois coloca a decisão de um procedimento do corpo da paciente na própria paciente.” ela ainda afirma que os grupos mais impactados pela lei do aborto são: ”mulheres pobres e periféricas, pois para as mulheres que possuem informação e boa assistência à saúde, o abortamento não é  discutido.”  

A obstetra analisa a proibição do aborto como um ato que lesa os direitos humanos femininos “tira todos os direitos e autonomia da mulher no ciclo gravídico ao seu corpo  independente da viabilidade dessa gestação”. A médica salienta que “a descriminalização do aborto numa idade gestacional abaixo de 12 semanas. Contempla os casos de violência sexual, inviabilidade do feto, insegurança alimentar e abandono parental

A legislação, causa uma certa euforia social com as divisões de opiniões, tratando a decisão sobre corpos femininos como crime, o conservadorismo da base religiosa na Câmara reforça essa crença. Entretanto, enquanto a descriminalização não acontece, a saúde de meninas e mulheres invisibilizadas socialmente continuam impactadas, pela falta de direitos e pelo julgamento social que são impostas.

Além de tema para estudos, o advogado Wesley Lopes, que é um dos responsável por acolher diversas demandas sobre saúde feminina onde trabalha, acompanha o processo de descriminalização. Cita o art. I da Declaração Universal de Direitos Humanos que afirma “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”

A Declaração Universal de Direitos Humanos, inspirou Constituições de diversas democracias. É o documento que descreve a proteção universal dos direitos humanos. Wesley explica que: “Tal artigo sobressai a forma de igualar todos os seres humanos como livres e possuidores de direitos e de dignidade, garantindo que cada pessoa possui razão e consciência, e estas devem ser respeitadas.” 

O advogado também sinaliza que o estado precisa ser imparcial , no que tange os direitos humanos e questões ideológicas ou religiosas não devem interferir “a própria Constituição Federal informa que o Estado é Laico, portanto, deve adotar uma posição neutra no aspecto religioso.

Apesar de o país possuir liberdade religiosa, a presença da religião em situações de saúde pública e que se relacionam com a liberdade do corpo feminino é um tanto quanto problemática.”

O debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil, segue aguardando novos avanços, apesar da repercussão e divergências de opiniões que permeiam os direitos humanos femininos, nos resta aguardar a próxima agenda do STF para enfim descobrir qual caminho a pauta irá tomar.

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Fonte: https://www.anf.org.br/aborto-quem-ganha-com-a-descriminalizacao/ 


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