Em João Pessoa, o festival pela vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam acontece neste sábado (28)
"Este ano, ocuparemos as ruas e as redes no 28 de setembro no Brasil, com atividades culturais, intervenções urbanas, rodas de diálogos e ato de ruas [...]." - Foto: Acervo da Frente Paraibana pela Legalização do Aborto.
Por Frente Paraibana pela Legalização do Aborto
Em 1990, na Argentina, durante a realização do V Encontro Feminista Latino Americano e Caribenho foi decidido que o dia 28 de setembro seria o Dia Latino Americano pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe, marcando, então, um dia histórico de reivindicação feminista de direito aos próprios corpos, pela saúde sexual e reprodutiva e pela escolha sobre a interrupção da gestação não desejada.
Ainda que o aborto seja permitido nessas situações, na prática são criados uma série de entraves que burocratizam o acesso aos serviços de aborto legal
Na América Latina, apenas oito países permitem a interrupção voluntária da gravidez: Argentina, Guiana Francesa, Guiana, Porto Rico, Cuba, Colômbia, México e Uruguai. A maior parte (dez países) criminaliza a interrupção voluntária da gestação, ainda que permita o procedimento em alguns casos específicos, como a gravidez decorrente de estupro, má formação do feto e risco de morte da gestante, que é o que acontece no Brasil. No entanto, ainda que o aborto seja permitido nessas situações, na prática são criados uma série de entraves que burocratizam o acesso aos serviços de aborto legal e ocasionam um intenso processo de revitimização e violências, praticados por profissionais de saúde, por operadores do direito e por gestores públicos.
No ano de 2008, foi fundada a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto (FNPLA) após a descoberta de uma clínica de planejamento familiar que realizava abortos clandestinos no estado do Mato Grosso do Sul. Esse episódio resultou na criminalização de mais de 10.000 mulheres, entre profissionais da saúde e pacientes, após repercussão nacional do caso e exposição dos dados pessoais e endereços. A Frente Nacional surge, assim, como uma articulação dos movimentos feministas para, ao mesmo tempo, apoiar e incidir no poder Judiciário a partir desse caso que ficou conhecido como o maior processo judicial de criminalização de mulheres por aborto da história do país, e atuar de forma articulada sobre as ações de denúncias das violações de direitos humanos das mulheres, meninas e pessoas que gestam ocasionadas pela criminalização e para construir a luta pela legalização do aborto enquanto direito a ser garantido de forma livre, segura e gratuita pelo Estado Brasileiro.
A partir dessa ação, feministas de diversas organizações e movimentos sociais que estiveram em Brasília se juntam e criam a Frente Paraibana pela Legalização do Aborto.
Em 2018, aconteceu em Brasília o 1º festival pela vida das mulheres para acompanhar as audiências públicas da ADPF 442, reunindo movimentos sociais do país inteiro. A partir dessa ação, feministas de diversas organizações e movimentos sociais que estiveram em Brasília se juntam e criam a Frente Paraibana pela Legalização do Aborto que tem construído as lutas territoriais pela descriminalização do aborto, além dos festivais paraibanos pela vida das mulheres.
Este ano, ocuparemos as ruas e as redes no 28 de setembro no Brasil, com atividades culturais, intervenções urbanas, rodas de diálogos e ato de ruas para lembrar a importância do dia latino americano pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe enquanto marco de luta das mulheres, meninas e pessoas que gestam pelo acesso gratuito e legal dos serviços de abortamento legal, pelo fim da criminalização e perpetuação do estigma social e para denunciar as violações de direitos humanos que a criminalização ocasionam na vida de mulheres, meninas e pessoas que gestam.
Em João Pessoa, o festival pela vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam acontece no sábado (28), a partir das 16h, na Praça do Coqueiral, Mangabeira, com oficinas, contação de história, música, poesia e muita luta.
Organizar as lutas, construir horizontes por justiça reprodutiva
São as mulheres que tem, de forma prioritária, apontado as contradições do discurso criminalizador do Estado, seja na reinvindicação pública pela legalização do aborto e os recentes avanços pela descriminalização na América Latina – conhecida como “maré verde” –, seja no sentido de reconhecer a autodeterminação reprodutiva de mulheres e pessoas que gestam enquanto um pilar da democracia brasileira, tendo em vista que falar em justiça reprodutiva é também falar sobre justiça social e democracia.
A luta por autodeterminação e autonomia reprodutiva é uma luta central para a vida das mulheres e das pessoas que gestam. Historicamente, somos alvo da perseguição social e nossos corpos são controlados biopoliticamente pelo Estado, pela Igreja e pelos sujeitos que reproduzem a lógica do opressor, atendendo a uma questão imprescindível para o sistema capitalista: a manutenção da (re)produção social da força de trabalho, em diferentes níveis, o que envolve a reprodução biológica, geracional e social de vidas. Gestar, parir, criar, educar e cuidar de outros seres humanos são tarefas associadas historicamente às mulheres, a partir de uma dinâmica desigual das relações sociais generificadas e racializadas do capitalismo.
Nessa dinâmica, as relações sociais que derivam desse sistema econômico desigual, fazem com que as mulheres sejam sobrecarregadas com tarefas que deveriam ser socializadas e de responsabilidade do Estado. O controle reprodutivo das mulheres está imbricado ao modelo de família monogâmica e cisheteropatriarcal, que se apresenta como o modelo hegemônico sobreposto as inúmeras existências da sociedade, mesmo diante dos avanços no campo das lutas por reconhecimento de casais da comunidade LGBTQIAPNB+, que não foram ainda o suficiente para fazer alterar o fato de que, no Brasil, as travestis e as pessoas trans sejam ainda as mais assassinadas, em nível mundial, ao mesmo tempo em que este mesmo país é o que mais consome pornografia trans no mundo.
A maternidade compulsória contraditoriamente articulada ao genocídio da população negra, do encarceramento seletivo e da precarização das vidas negras e indígenas, caminham de forma combinada, mas resultando em experiências diferenciadas em torno do direito ou não de maternar e o direito ou não de interromper uma gestação não desejada, determinadas pela condição de classe, raça e gênero.
Nesse sentido, a concepção de Justiça Reprodutiva nasce no movimento de mulheres negras, migrantes e racializadas como não brancas, nos EUA, em 1994, em uma conferência de mulheres negras, após dois meses da Conferência sobre População e Desenvolvimento de Cairo – marco decisório na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos em nível internacional.
Essa concepção ampliada de luta que resulta na ideia de Justiça Reprodutiva, que também integra a noção de direitos sexuais e reprodutivos e de direitos sociais, surge a partir da constatação das diferenças sociais de diferentes mulheres e pessoas que gestam, que resultam na necessidade de integrar a saúde reprodutiva à justiça social, afinal, a luta pela liberação das mulheres, e das pessoas que gestam, é indissociável do controle da reprodução.
Quando evocamos a noção de justiça reprodutiva estamos reconhecendo que a luta pelo direito ao aborto é indissociável da luta por melhores condições de vida na maternagem. Isso quer dizer que é imprescindível que uma mulher racializada como não branca e pessoas que gestam que decidam gestar e parir uma criança, devem ter acesso aos direitos sociais que permitam que essa criança nasça e cresça em um espaço seguro, longe da violência estatal, com educação, saúde, e diversos outros direitos sociais, de qualidade.
Por isso, neste 28 de setembro, precisamos também falar que a luta por serviços públicos, como creches, escolas, restaurante públicos, por condições dignas de existência, como acesso ao saneamento básico, ao transporte público e ao lazer são imprescindíveis para a autodeterminação e autonomia reprodutiva das mulheres e das pessoas que gestam. Essa luta está centrada na disputa do fundo público e na reivindicação da ampliação de políticas sociais que podem diminuir as desigualdades sociais causadas pelas relações de opressões e exploração capitalistas.
Neste 28 de setembro, Dia Latino Americano pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe, estaremos na Praça do Coqueiral, em Mangabeira, João Pessoa, no festival pela vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam, a partir das 16h.
Pela vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam!
Por justiça reprodutiva!
Acompanhe as ações da Frente Paraibana pela Legalização do Aborto (@frenteparaibana).
Para mais informações sobre a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, clica aqui.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.
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Edição: Carolina Ferreira