Quase lá: Cfemea 30 anos - Lugar de Mulher é na Política

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Somos crias da democracia brasileira. Somos herdeiras de todas as mulheres que lutaram por direitos sociais e políticos ao longo dos séculos. Demos continuidade às lutas da Constituinte em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, com mais dignidade para as nossas vidas, demandando direitos e orçamento público para as políticas públicas. Somos o CFEMEA, organização feminista antirracista fundada em 1989.
 
Ao longo desses últimos 30 anos, lutamos não só para ampliar a presença das mulheres nos espaços de poder e decisão, como também para expandir as pautas e plataformas feministas visando garantir igualdade, cidadania e voz ativa para as mulheres brasileiras. Lutamos para revelar como a negação do exercício de poder às mulheres é uma interdição patriarcal e racista, que nos desqualifica e inviabiliza a nossa presença nas instituições democráticas. Lutamos para visibilizar a ideia de que democracia se constrói não apenas na vida pública, mas também nas relações sociais e pessoais. Ao longo dessa trajetória, as feministas criaram slogans para propagar esses valores: “democracia em casa e na rua” ou “lugar de mulher é na política”, como forma de revelar os preconceitos e estigmas que menosprezam a atuação extra-muros das mulheres e que mantêm escondidas relações afetivas autoritárias e de subalternidade.
 
Denunciamos como as instituições políticas são ocupadas em sua maioria por homens, brancos, de alto poder econômico, heterossexuais, e para alterar essa permanência histórica, defendemos as cotas e ações afirmativas como formas de alterar o jogo de forças que reproduz a sobrepresença dos mesmos em detrimento da pluralidade e diversidade da população brasileira. 
 
Essa relação entre presença e ideias é essencial para se fazer avançar direitos e agendas que pensem o conjunto das mulheres brasileiras e da sociedade. Apostamos no diálogo entre sociedade civil organizada, mulheres de movimentos e parlamentares, mulheres de partidos políticos comprometidas com a promoção de nossos direitos. Lutamos para questionar a forma hierárquica e centralizadora muito presente na estrutura patriarcal de decisão para apostar em outras formas de fazer política: com diálogo com movimentos de mulheres, com abertura para a construção de pautas comuns, de forma mais horizontal e coletiva, pois acreditamos que só assim teremos um projeto político mais igualitário e verdadeiramente democrático.
 
Denunciamos projetos de poder autoritários e reconhecemos as forças do patriarcado e do racismo nos representantes eleitos do atual governo. Lutamos para revelar os preconceitos e discriminações para criar ações afirmativas que pudessem dar chance àquelas e àqueles que sempre foram excluídos das instâncias de poder, como as mulheres e a população negra, para que pudessem partilhar das decisões sobre o cotidiano de nossas vidas, pautando questões que vão desde a segurança pública e falta de acesso à saúde pública às pautas econômicas que retiram recursos das políticas sociais para pagamento de dívidas e benefício dos ricos no controle das decisões econômicas de nosso país. 
 
Debatemos com movimentos e organizações de mulheres, elaboramos e divulgamos plataformas feministas para as eleições, para eleger mais mulheres comprometidas com a igualdade de gênero.
 
Hoje temos a política de cota de 30% de candidaturas, com a obrigação de cumprimento pelos partidos e a destinação desse mesmo percentual do fundo para as mulheres. O resultado é positivo. E queremos muito mais: paridade! Mas ainda assim, esta conquista está sob ataque neste momento. Como se os obstáculos que nos impedem de exercer nossa cidadania e ocupar os espaços de representação política tivessem acabado. Nosso cotidiano ainda é marcado pela divisão sexual do trabalho, dupla e tripla jornadas de trabalho, imposição do trabalho doméstico e de cuidados como nossa responsabilidade exclusiva, e da maternidade como única razão de nossa existência. A falta de equipamentos sociais como escolas em tempo integral, lavanderias e restaurantes comunitários não aliviam a carga da vida reprodutiva que segue sendo majoritariamente carregada pelas mulheres. Sem esse aporte da sociedade e das empresas, não nos sobra tempo para o exercício da política. É preciso gerar condições para o exercício da paridade na política. 
 
Querem nos fazer acreditar que questões de desigualdades estruturantes como das relações raciais e de gênero não existem e que o mérito individual é o valor a ser defendido. Não! Queremos que todas as brasileiras possam ter o direito de exercer um cargo de poder e isso só será possível com mudanças importantes na oferta de políticas públicas de cuidado.
 
Queremos mais mulheres eleitas comprometidas com a defesa de nossos direitos para que possam olhar processos políticos importantes como a reforma da Previdência e perceber o quão ela impacta negativamente a vida das mulheres brasileiras, aumentando o tempo de idade para aposentadoria das mulheres num discurso às avessas de que promover igualdade é tratar os desiguais de forma igual. Nós mulheres ainda recebemos menos que os homens por trabalho de igual valor, as mulheres negras estão na maioria dos postos informais (sem condições de contribuir financeiramente para a previdência, ainda que contribuamos para as riquezas do País) e do trabalho doméstico, resultado das relações desiguais raciais de um passado escravocrata recente. E ainda trabalhamos mais que os homens, quando contabilizamos as horas de trabalho no mundo assalariado e na vida doméstica. 
 
A reforma da previdência que está em vias de ser aprovada não promoverá igualdade entre mulheres e homens, entre mulheres negras e homens brancos, pelo contrário, ampliará o fosso entre nós. 
 
Reconhecemos neste momento o protagonismo político das mulheres, das mulheres negras e jovens, dos povos indígenas, da juventude periférica nas ações de resistência à barbárie política que vivemos. Esperamos com isso impulsionar processos políticos novos, que tensionem o sistema político falido que vivemos, capaz de sustentar um processo eleitoral dentro de um golpe de estado, convivendo com a difusão de mentiras (fake News) e convidando a população brasileira a se juntar num projeto de poder hierárquico, autoritário, machista, racista e de ódio contra lésbicas, gays, transexuais. Reconhecemos assim a força feminista das mulheres na eleição de companheiras lutadoras que estão fazendo a diferença no trabalho legislativo, propondo mandatos coletivos, criando frentes parlamentares com participação popular e mostrando que há outras formas de exercer o poder. 
 
Mas mesmo com todos os retrocessos, o compromisso do CFEMEA com os movimentos de mulheres ficou ainda mais profundo. Seguiremos lutando pelo fim do patriarcado racista. Ao ideário machista e falacioso de que as mulheres não se interessam por política, de que o nosso lugar é no âmbito privado, contrapomos a nossa rebeldia, nossa força, nosso protagonismo na luta por direitos, na construção da própria democracia brasileira. Não interromperão nossas vozes, em qualquer espaço que estejamos ocupando. Estamos juntas.

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