Quase lá: 25 de julho - Dia da mulher negra latino-americana e caribenha

Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha. Essa data nos exige uma profunda reflexão sobre como o racismo estrutura as desigualdades sociais no Brasil e em nossa região. Como organização feminista e antirracista também significa reafirmar nosso compromisso não só com o enfrentamento ao racismo, mas também nos agregarmos às ações cotidianas de resistência e sobrevivência das mulheres negras, reconhecendo como um país estruturalmente racista, patriarcal e capitalista influencia a existência e permanência das mulheres negras no mundo. Significa compreender que pautar um mundo que busque a transformação social de sociedades desiguais e baseadas em sistemas opressores precisa considerar o enfrentamento ao racismo como parte essencial de sua luta.

Saber reconhecer a importância da auto-organização das mulheres negras em suas práticas históricas de resistência, de luta coletiva – desde a luta pela sua sobrevivência nos quilombos diante da situação de escravizadas até a mobilização em prol do acesso à educação, trabalho, proteção social diante da situação de informalidade, enfrentamos aos poderes públicos diante do genocídio praticado pela polícia militar que mata diariamente nossas crianças e jovens negros/as. Também fortalecer as demandas conclamadas pelas mulheres negras em prol de uma visão sobre a saúde das mulheres negras; sobre como o imbricar entre racismo e patriarcado se encontram na marginalização e invisibilização do trabalho doméstico.

Comprometidas com uma luta antisistêmica – anti-patriarcal, antirracista e anticapitalista – nos somamos às vozes de resistência das mulheres negras em nosso país e em nossa região. Entrevistamos três militantes do Distrito Federal sobre o significado do dia de hoje. 

1 – Como você vê que a luta feminista enfrenta o racismo no Brasil?

Cleudes Pessoa: “A nossa luta feminista contra o patriarcado e contra o racismo é uma luta que nos exige muito, nos exige nos dedicar cotidianamente no enfrentamento de discriminação de opressões em virtude de sermos as mais pobres e ser invisibilidade em todas as instituições. A minha luta feminista contra o patriarcado e o racismo é uma luta que opta pela prática do cuidado, da leveza e do amor. Eu vejo nós mulheres negras adoecendo, sendo oprimidas e violentadas. Nesse contexto do movimento organizado de mulheres, estar nos cuidando, estar no espaço que nos fortaleça, nos empodere e que as mulheres possam estar irmanadas para mudar o mundo, mudar suas vidas, lutar por si e pela outras é uma necessidade urgente. Então, pelo Bem Viver das mulheres negras, a minha luta feminista é uma luta prática e cotidiana. E se necessário, a gente tá nas ruas, a gente tá nas rodas, nós estamos nos espaços que for necessário de poder e de negação do poder pra transformar esse mundo e acabar com o racismo.”

Joseanes Lima: “25 DE Julho: Dia Nacional da Mulher Negra; Dia Internacional das Mulheres Negras da América Latina e do Caribe. Dia de muitos significados. Significado da nossa existência, da nossa vivência, da nossa sobrevivência, da nossa resistência. Significados que perpassam toda a nossa fala - o nosso lugar de fala pública! 25 de julho é, para nós, um dia de reflexão. Dia de destacar todos os pontos que nos invisibilizam. Para nós, as mulheres negras, é um dia de afirmação da nossa existência e resistência. É um dia que nos coloca como sujeitas políticas falando a partir do nosso gênero e da nossa raça: somos mulheres negras! Esse dia serve para dizer à sociedade que queremos ser respeitadas por essas características, com tudo isso que conforma o nosso ser!

A história política das mulheres negras é uma história marcada pela exploração, pela invisibilidade, pela violência sexual, pela mão de obra escrava. A mulher africana chega ao Brasil como objeto, sem valor algum, sem alma. Ela chega a esse país para reconstruir toda a sua história e de seus descendentes a partir de valores trazidos por ela mesma, trazidos do continente de onde foi retirada forçosamente. As mulheres negras entram na luta de formação dos Quilombos; elas criam forma de resistência, criando estratégias para combater a escravidão negra. A mulher negra, desde a origem do Brasil, tem uma trajetória de desbravar tudo! Na verdade a mulher negra começa do nada, do ponto de vista das políticas, ela tem somente a sua tradição, a sua cultura, e a partir daí ela desenvolve todo um legado de atuação. Com destaque, na época, para a questão Quilombola e para as religiões de matriz africana. E a partir daí ela vem tentando construir estes espaços, abrindo caminho para ela e para os seus!

Uma marca importante na trajetória da mulher negra, é que ela sempre está dentro de uma perspectiva coletiva e comunitária. A mulher negra, dentro da luta de combate ao racismo, no processo de libertação do povo negro, se coloca na perspectiva da luta coletiva. E, no legado desta resistência, temos marcados vários movimentos onde esta presença se faz mais forte como a luta dos povos quilombolas, religiões de matriz africana e trabalhadora domésticas, que é uma luta antiga, que recentemente tivemos avanços. São participações de protagonismo que nós imprimimos na trajetória política da atuação das mulheres negras no Brasil. E essa é uma perspectiva feminista, do feminismo negro no Brasil, considerando assertivamente que para falar da participação política das mulheres no Brasil. É preciso reconhecer as trajetórias diferenciadas. Todas nós queremos a igualdade, o respeito, cidadania, inclusão social, a afirmação, o direito aos nossos corpos, mas é preciso reconhecer esta trajetória política diferenciada, dentro da perspectiva do feminismo negro.”

2 – Quais desafios você destaca para melhorar a vida das mulheres negras nesse momento do Brasil?

Cleudes: “As mulheres negras sempre foram as que tiveram menos oportunidade de estudo e de trabalho; são sempre as que ficam nas cozinhas e ainda não tem oportunidades de trabalho como as outras mulheres. Isso nos leva a pensar que nesse contexto de retrocesso do mercado de trabalho e do desenvolvimento e no retrocesso das políticas sociais para essa população, as mulheres negras são as que sofrem mais. A situação de miséria nos abala nas periferias, as mulheres negras tem seus filhos presos, envolvido com crime por falta de várias condições que não são garantidas. Nesse contexto de golpe, eu poderia dizer que para as mulheres negras e da periferia, a situação de pobreza se agrava, a situação de acesso de oportunidade se agrava. A necessidade de nos organizamos e de lutar cada vez mais para enfrentar esse golpe, enfrentar esse avanço neoliberal sobre a população que menos tem acesso e oportunidade -- que é fruto desse capitalismo de sociedade de classe, exploradora, que abala principalmente as mulheres e mais ainda as mulheres negras. É uma necessidade urgente que essa sociedade precisa observar. Esse contexto não é só no Brasil, é na América Latina inteira, por isso, nesse Dia da Mulher Negra Afrolatina Caribenha a gente reafirma: celebramos nossa ancestralidade, nossa beleza, nossa força, mas precisamos lutar muito pelo fim do racismo no Brasil.”

Joseanes: “Nós, mulheres negras, sempre tivemos na base da pirâmide e quando pensamos dos poucos avanços que tivemos, e mais uma vez poderemos ter nossos direitos reduzidos, é uma situação que nos coloca em muita dificuldade de análise prospectiva e positiva. Nós mulheres negras somos em menor número nas universidades, estamos em menor número em postos de comando, temos pouca presença na política, estamos vendo nossos jovens serem assassinados, temos vistos nossas meninas negras cada vez mais violentadas, tendo seus corpos explorados por uma proposta cultural que não respeita sua trajetória de juventude, sua possibilidade de empoderamento como mulher negra jovem. Falar dessa conjuntura pós-golpe é falar de um lugar que nunca soubemos, que é a cidadania plena. Se estivemos próximas de um horizonte de cidadania, agora com o golpe que sofremos, ficaremos mais distante ainda. Se olharmos para a realidade das trabalhadoras domésticas, com o desmonte das conquistas, dos direitos, o cenário é de perda total.”

PreThaís
“Penso que o feminismo foi o que aprendi desde cedo/Assumir nosso papel e encarar o medo/De ir pra rua, fechada com mulheres de força/Sobreviver todos os dias e de nossas histórias sermos autoras/Feminismo de mulheres pretas e periféricas/As que resistem invisibilidade e ao medo recolhe o choro/Vai pra guerra”


Cleudes Pessoa é artivista feminista da Articulação de Mulheres Brasileiras e do Fórum de Mulheres do DF e Entorno. Assistente Social com formação em Terapias Integrativas. E, além do mais, é poeta.

Joseanes Lima é bacharel em Relações Internacionais e Estudante de Psicoterapia no InstitutoJungiano de Estudos e Pesquisa em Psicologia Jungiana. Mestranda em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios Tradicionais - Universidade de Brasília e integra a Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno

PreThaís é Poeta/Happer/Slammer


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