O Brasil está entre os países com as piores taxas de participação política feminina do mundo. Ocupamos a vexaminosa 133 posição no ranking em termos da presença de mulheres nos parlamentos – dados de 2019. Não obstante, agora corremos o risco de perder a legislação duramente conquistada pelos movimentos de mulheres, que atualmente prevê um percentual mínimo de 30% de candidaturas por sexo nas eleições proporcionais, ou seja, nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara do Distrito Federal e Câmara dos Deputados.
Segundo o autor do PL 1256/2019, o senador Ângelo Coronel, do Partido Social Democrático – PSD/BA, “como a prática tem demonstrado, o percentual mínimo de participação feminina previsto na lei se apresenta elevado diante da dificuldade de encontrar candidaturas femininas viáveis”. Para ele, essa é a justificativa da proposta de revogação do § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que prevê percentual de preenchimento mínimo de vagas para candidaturas de cada sexo. Antes de entrar no mérito do debate do porquê se estabelecer ações afirmativas para remediar uma situação de desigualdade que se perpetua na história de uma sociedade, vejamos o que está por trás desta afirmação.
Candidaturas femininas são viáveis sim. O senador não esconde sua opinião de que nós mulheres não somos competentes para exercer cargos públicos. Para ele, “Não somos viáveis”, não estamos prontas para decidir e escolher nossos próprios caminhos, somos utilizadas como candidaturas laranjas. Problema esse que parece não existir no domínio dos cargos ocupados pelos homens, que hoje tem 80% do Parlamento brasileiro. Assim, melhor negar a presença das mulheres do exercício do poder do que de fato ir no cerne do problema das candidaturas laranjas.
Falar em cotas e ações afirmativas significa reconhecer que uma sociedade tem um problema real de desigualdade. No caso, a nossa lei de cotas reconhece que as mulheres estão em situação de desvantagem em relação aos homens no que diz respeito ao exercício da política num país comandado por uma maioria esmagadora de homens, brancos, cristãos e proprietários. Mas, por que qualquer medida que tente alterar essa realidade que não representa a diversidade da população brasileira é lida como preconceituosa e desigual?
Olhar para trás e entender nossa história é fundamental para percebermos que, por exemplo, quem não parece ser viável para exercer cargos públicos são os mesmos patriarcas homens, brancos, das mesmas famílias de nossas antigas capitanias hereditárias que seguem como laranjas, não representativos da população brasileira. Se o poder emana do povo, ora, esse Parlamento está repleto de candidaturas inviáveis/laranjas.
Enquanto os movimentos feministas demandam condições para o exercício da paridade – sim, paridade porque somos mais da metade da população - nossos parlamentares homens, brancos da elite brasileira querem nos manter em casa, cuidando exclusivamente das famílias para SOMENTE ELES exercerem o poder, legislando para seu próprio benefício, contra os direitos da população trabalhadora, empobrecida, negra, indígena, LGBTI, etc.
O “novo” Congresso brasileiro aprecia matérias que só vão aumentar a desigualdade entre todas e todos nós, que tiram o amparo do Estado – que já é frágil – de nós, povo brasileiro. Nesse “novo” Brasil, só tem direito a existir quem pode pagar por saúde, previdência e por educação.
Por um lado, desmonte do orçamento público para as políticas sociais, que ofertam serviços mínimos para a população; fim das cotas para impedir que as mulheres tenham alguma chance de participação num sistema político avesso à presença de grupos historicamente excluídos das instâncias de poder; fim da previdência pública para quem trabalha a vida inteira – com regras perversas que dificultam o acesso aos benefícios, regras que também impedem a inclusão de novas seguradas e segurados, sem qualquer menção aos devedores do INSS.
Por outro, a criminalização dos movimentos sociais que lutam por melhoria das condições de vida da população brasileira – agora sendo chamados de terroristas – quando quem aterroriza nossas vidas com o desmonte de direitos e políticas são as próprias autoridades; mordaça nas escolas coibindo a liberdade de pensamento e a elaboração crítica, para que sejamos permanentemente manipuladas por quem detém os meios de comunicação, a máquina administrativa e os templos religiosos cristãos; sem contar o tal pacote “anticrime” do ministro da (in)Justiça para autorizar policiais a executarem o povo negro brasileiro, como assistimos estarrecidos a ação do Exército no Rio de Janeiro que atingiu com 80 tiros, repetimos, 80 tiros um homem negro que levava sua família para um chá de bebe.
Diante de tudo isso, devemos nos perguntar quem é mesmo “viável” para o exercício de cargos públicos? A autonomia partidária está sob risco, como afirma o senador, pela obrigação de garantir a presença das mulheres nos processos eleitorais?
E a nossa autonomia como cidadãs? Assistindo os disparates desses “nobres” representantes (como eles gostam de se auto intitular) no cotidiano dos trabalhos do Congresso Nacional, sempre com o intuito de nos negar direitos, de não nos reconhecerem com a mesma capacidade de formular leis e políticas em prol da cidadania de todas e todos que sempre tiveram negados sua existência, onde fica?
Ao invés de tentar, conforme a proposta do PL 1321-B, também de 2019, anistiar os partidos que não cumprirem a cota do Fundo Partidário assegurada para as mulheres, Por que, os partidos que detêm a exclusividade da representação política não param de interpretar a legislação sobre cotas como um teto ao invés de um piso mínimo da participação política das mulheres? Porque não dividem seus recursos partidários igualmente entre todos e todas as canditatas?
Sem políticas de educação, saúde e com trabalhos precarizados, numa sociedade desigual como a nossa, quem arcará com o fardo da desassistência estatal no âmbito das famílias? Que tempo para a política nós mulheres teremos? De um lado aumenta-se o fardo das tarefas domésticas para o sexo feminino e por outro lado ainda se retira possibilidades de maior participação política.
Nas pesquisas feitas pelo CFEMEA em diversas legislaturas aferimos que a maioria dos parlamentares eleitos homens são casados enquanto a maioria das mulheres eleitas ou são solteiras ou divorciadas. Ora, quem afinal é o privilegiado nesta história? Não seriam os que sempre tiveram a autorização social para exercer a política sem amarras, sem se preocupar com as questões da vida familiar, com acesso a recurso de empresas e corporações, com uma vida livre da violência da companheira, com tempo para se organizar em partidos políticos, com heranças de pais, tios, avôs e bisavôs, já que a propriedade ainda hoje está massivamente em mãos masculinas brancas? Seremos nós mulheres as penalizadas novamente e impedidas de criar políticas que ampliem e melhorem as vidas de todas e todos nós?
Nós dizemos Não ao PL 1256/2019 e PL 1321-B/2019!
Mais que a defesa das cotas, queremos paridade na política.
Com o intuito de pressionar os senadores a rejeitarem o PL 1256/2019, que está na ordem do dia no Senado, a chatbot feminista do Facebook Beta lançou uma campanhapara mobilizar apopulação e dizer aos membros da comissão que não aceitaremos #NemUmPorCentoAMenos. Acesso o link da campanha e compartilhe com todo mundo: Nem um por Cento a Menos.