Quase lá: PLC 07/2016 e o esvaziamento da Lei Maria da Penha

Ontem, dia 23 de agosto, foi aprovado na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal o PLC 07/2016 que atribui à autoridade policial a concessão de medidas protetivas de urgência, descaracterizando e enfraquecendo a Lei Maria da Penha, conforme explica a Nota Pública do Consórcio Nacional de Organizações que elaborou pro anteprojeto da lei.

Se o PLC 07/2016 for aprovado para promover as demandas de uma classe policial em detrimento da Lei Maria da Penha, a questão mais importante: o atendimento e acompanhamento das mulheres em situação de violência sofrerá graves retrocessos, podendo, inclusive, inviabilizar inúmeros atendimentos necessários para proteção da vida das mulheres. O projeto está segue para votação no plenário do Senado, onde precisa apenas de maioria simples para sua aprovação.

 

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NOTA PÚBLICA

 

O Consórcio Nacional de Organizações que elaborou o anteprojeto de lei Maria da Penha - Cepia, Cfemea, Cladem e Themis, as organizações feministas, de mulheres e de direitos humanos abaixo assinadas, vêm publicamente manifestar-se contrárias à proposta contida no art.12-B, do PLC 07/2016, que pretende conferir à autoridade policial atribuições para a concessão de medidas protetivas de urgência, subvertendo a lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Importante lembrar que a Constituição Federal consagrou os direitos das mulheres e a responsabilidade do Estado frente à violência doméstica é fruto da luta dos movimentos feministas e de mulheres, que também conquistaram a presença do sistema de justiça no tratamento da violência através da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, as Delegacias da Mulher (DEAMs) surgiram por proposta e pressão dos movimentos de mulheres como resposta às dificuldades que as mulheres enfrentavam para registrar suas queixas nas delegacias tradicionais.  As instituições de segurança pública efetivamente não estavam preocupadas com as violências cometidas contra as mulheres, e muito frequentemente resistem a criar e ampliar delegacias especializadas para atendimento a vítimas de violência doméstica e sexual. As DEAMs não existiriam se não fossem os movimentos feministas e de mulheres. Por isso, manifestamos surpresa e indignação que a proposta esteja sendo conduzida, sem consulta às organizações que representam os direitos das mulheres no país, por delegados e delegadas que nunca se manifestaram em defesa dos direitos das mulheres.  Lamentamos que as Delegacias da Mulher que, não existiriam sem a luta constante do movimento de mulheres, estejam apoiando uma proposta que subverte a Lei Maria da Penha, dificulta o acesso à justiça, e que não é apoiada pelos movimentos de mulheres.

A Lei Maria da Penha é o resultado de uma longa caminhada, que começou com o caso emblemático da Sra. Maria da Penha, vítima de duas tentativas de homicídio, culminando com uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que recomendou ao Estado Brasileiro adotar uma lei que realmente protegesse as mulheres em situação de violência. Esta é a lei 11.340/2006, uma proposta feminista, gestada, discutida e apresentada por organizações feministas, que contou com o apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPMPR), de juristas e de parlamentares feministas e não feministas com histórico compromisso com as mulheres. O Consórcio de Organizações discutiu durante dois anos o anteprojeto de lei; a SPMPR e o Congresso Nacional debateram esse anteprojeto com a sociedade brasileira através de audiências públicas em diversos estados brasileiros. De 2002 (quando o Consórcio reuniu-se pela primeira vez) a 2006 (quando a Lei foi aprovada) foram mais de quatro anos de discussão. O conteúdo dessa Lei e a sua pertinência social são amplamente reconhecidos pelas mulheres brasileiras. Essa é a razão pela qual a Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores legislações do mundo. Agora, vergonhosamente, um movimento de delegados e delegadas, sem discutir com beneficiárias, organizações e associações de magistrados, defensores públicos e promotores de justiça, quer se apropriar dessa história e corromper a lei Maria da Penha. Há um profundo déficit de legitimidade nos proponentes e isso não pode ser acolhido pelo Senado Federal, pois desrespeita a luta das mulheres.

Não bastasse a falta de legitimidade dos proponentes, o art. 12-B subverte a lógica da lei, que responde às definições constitucionais de responsabilidade do Estado em relação à violência intrafamiliar. Não é e nunca foi proposta da lei Maria da Penha outorgar à polícia a atribuição de conceder medidas protetivas e sim aos juizados especializados de violência doméstica e familiar criados para esse fim. A proposta fere a sistemática da Lei e é inconstitucional. A autoridade ou servidor policial não tem competência constitucional para a jurisdição, para restringir direitos ou afastar a possibilidade da apreciação pelo Poder Judiciário. Não é essa a atribuição constitucional da polícia e nem a definida pela Lei Maria da Penha. Consideramos que, tanto para julgar adequadamente a situação, garantindo proteção em caso de risco de vida para mulheres que ensejam medidas de proteção, quanto para afastar qualquer possibilidade de tratamento discricionário e discriminatório por parte de agentes policias na negativa de devida proteção às mulheres, é indispensável que a Lei permaneça como está, sem esta retrógada alteração proposta.

Tanto na forma, pela ausência de discussão com o movimento feminista e de mulheres – déficit de legitimidade – quanto no conteúdo, pela impossibilidade de jurisdição – déficit de constitucionalidade – o art. 12-B não pode ser aprovado, devendo ser suprimido do PLC 07/2016. Nessa linha encontram-se, também, as Notas Técnicas alusivas à matéria em comento, produzidas pelas Comissões dos Direitos da Mulher das instituições essenciais ao sistema de justiça – Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil.

 

Brasília, 16 de junho de 2016.

Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação, Ação

Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria

Cladem – Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

Themis – Gênero Justiça e Direitos Humanos

AMB- Articulação de Mulheres Brasileiras

Projeto de Extensão Maria da Penha: Atenção e Proteção, da UnB

Elas que são Elas –UVV/ES

Fórum de Mulheres de Imperatriz – MA

Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pé. Josimo

Associação de Mulheres do Bacuri e Adjacências

Fórum Maranhense de Mulheres

Centro Dandara

Instituto Patrícia Galvão

União de Mulheres do Município de São Paulo

Fórum de Mulheres – MA

Articulação de Mulheres de Ase Iyagba Ori

AROV - Associação Rosa dos Ventos –

Grupo Afrimação Homossexual Potiguar

GAL-  Grupo de Articulação Lésbica –

Centro de Promoção Social Noir Medeiros

Fórum LGBT Potiguar

Grupo Oxente de Libertação Homossexual

Associação Homossexual do Vale Assu

Liga Norteriograndense de Combate à Aides - LMCA

Sidadania

Atrevida

AMA/RN

Organização Feminista Bandeira Lilás

Associação Vidas Positivas – AVIP

Articulação Aids do Rio Grande do Norte

Coletivo de Bandeira

Atreva-se

Movimento de Mulheres do Seridó

Central Única dos Trabalhadores Sexuais – CUTS

Coletivo Marietta Baderna da RENAP

Grupo de Pesquisas em Saúde, Sociedade e Cultura – UFPB

Instituto de Estudos de Gênero – UFSC

Núcleo Margens: modos de vida, família e relações de gênero – Departamento de Psicologia/CFH/UFSC

Observatório de Monitoramento da Lei Maria da Penha –OBSERVE

Núcleo Feminista de Pesquisa sobre Gênero, Masculinidades – GEMA/UFPE

Instituto Papai

Rede de Homens pela Equidade de Gênero – RHEG

Campanha Brasileira do Laço Branco – Homens pelo Fim da Violência contra as mulheres

Menengage – Brasil

GT Gênero e Saúde/Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva

GT Psicologia e Estudos de Gênero/ANPEPP

GT Gênero, Saúde e Direitos Reprodutivos

REDOR – Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero

ECOS – Comunicação em Sexualidade

Instituto Promundo

Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher –CEDIMES

Comissão da Mulher Advogada – OAB/ES

Coletivo Feminista de Guarapari – DELAS

Azãnia – Grupo de Estudos e Pesquisa em Cultura, Gênero, Sexualidade, Raça, Classe, Performance e Religião – CANDANCES

NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a mulher – UFBA

Grupo Curumim

Associação Ilê Mulher

Rede de Mulheres Negras – PR

NEGAr- Núcleo de Estudos de Gênero de Araraquara/UNESP

Coletivo Feminino Plural

Movimento Nacional de Cidadãs PositiHIVas

Sempre Mulher – Instituto sobre Relações Raciais

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos

Casa da Mulher Catarina

Fórum Catarinense de Mulheres

Fórum pela Implementação da Lei Maria da Penha – SC

Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – SC

Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Florianópolis

 


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