Quase lá: A política sexual em tempos de pandemia

A política sexual em tempos de pandemia

Via SPW

Março e começo de abril de 2020

Foi muito desafiante elaborar o anúncio do SPW de março/abril 2020 em razão da anormalidade, riscos e perdas provocados pela vertiginosa propagação do vírus SARS-COV2. Nesse contexto conturbado, pensamos que não seria suficiente compilar, em categorias habituais, o volume substantivo de informações e análises coletadas sobre os significados e efeitos da pandemia em relação a gênero, sexualidade, HIV/AIDS e aborto. Assim sendo, optamos por organizar esse material num formato diferente, situando os vários temas em relação às implicações da COVID-19 para a política, para a economia, mas também em termos biopolíticos. Além disso, como a pandemia se instalou primeiro nas chamadas economias centrais, China, Europa e EUA, antes de se espraiar por outros países e regiões, convidamos colaborador@s do SPW para escrever sobre contextos que não têm sido objeto de maior atenção, especialmente no Brasil. Começamos pela Nicarágua e El Salvador e agradecemos a generosidade de Humberto Meza e Amaral Arévalo por suas excelentes contribuições.

Covid-19: excepcionalidade e desdemocratização

Desde janeiro, quando o governo chinês adotou medidas extremas de confinamento, em Wuhan, a pandemia deflagrou no mundo uma semântica questionável de guerra ao vírus, dando aos estados, em particular aos inúmeros regimes autoritários existentes, justificativas para exercer o monopólio da violência, o arbítrio e a coerção política.

Nas Filipinas, Duterte autorizou a execução de quem infringe as regras de quarentena. Na Hungria, Orbán suspendeu o que ainda restava de institucionalidade democrática (clique aqui para saber mais na nossa compilação em inglês). Na Polônia, o partido Lei e Justiça investiu contra a lei eleitoral para instituir o voto por correio e manter as eleições presidenciais para maio, numa manobra apontada por opositores como um golpe de estado em meio à crise da COVID-19. Também se ampliaram os poderes de coerção do estado no Irã, Turquia, Israel, Russia, Quirguistão (confira compilação em inglês). Na Índia, a COVID-19 interrompeu as mobilizações políticas contra a nova lei de cidadania e os protestos contra a violência comunitária que vitimou a comunidade muçulmana em várias cidades e, sobretudo, dando a Modi novos argumentos para uso da força e restrição da liberdade de imprensa. Em Uganda, o regime Museveni, usou a pandemia para retomar a perseguição da população LGBT (aqui e aqui). A América Central é outro palco flagrante de abusos, pois estados de exceção estão instalados em El Salvador, Honduras e Guatemala e, mais recentemente, o Equador também suspendeu o acesso a garantias constitucionais. Há finalmente, os contextos autoritários de que quase não se fala como é o caso do Meio Oriente e das situações ainda mais dramáticas da Palestina, especialmente Gaza (ver aqui) e da Cachemira, desde muito, estados de exceção. Há que dizer que mesmo em contextos onde não se registram colapsos democráticos radicais, a crise da COVID-19 tem levado ao uso indiscriminado da lei penal e abusos da parte de agentes estatais de vigilância.

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