Quase lá: Ana Júlia, a estudante secundarista do Paraná, não está sozinha

Ana Júlia, a estudante secundarista do Paraná, não está sozinha

Ismália Afonso* e Patrícia Rangel**

Ana Júlia, a curitibana de 16 anos que defendeu as ocupações de estudantes nas escolas com um discurso arrebatador na Assembleia Legislativa do Paraná, tem a seu lado milhares de jovens brasileiras. Ora nas mobilizações sociais ora na vida partidária, elas estão lutando para tornar a política um espaço mais democrático. Análise elaborada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) sobre as eleições de 2016 para as Câmaras Municipais revelou que, na faixa etária de 18 a 24 anos, as mulheres foram mais representadas do que os homens. Nesse grupo, foram registradas 9.169 candidaturas femininas (51%) contra 8.799 masculinas (49%).

A diferença é maior dos 18 aos 19 anos, em que elas são 61%. Na faixa seguinte (20 a 24 anos), a relação permanece quase paritária, com 50,5% de candidatos homens e 49,5% de mulheres. O interesse de mais de 9 mil jovens, que se mostrou semelhante na eleição de 2012, revela que a força do discurso de Ana Júlia e a representação da juventude já poderiam estar presentes em tribunas de outras casas legislativas do país.

Lançar luzes sobre as candidaturas, e não apenas sobre as vagas conquistadas, ajuda a compreender melhor quem são as mulheres e os homens dedicados à luta partidária, quais os desafios que enfrentam e de que forma conseguem manter-se na carreira política. A análise interseccional gênero/geração nos dá indícios sobre como o patriarcado tem trabalhado dentro da democracia representativa brasileira para impedir o avanço da participação feminina. Depois das duas primeiras faixas etárias da juventude, o número de candidatas vai se reduzindo até atingir seu pior índice no grupo que vai dos 40 aos 49 anos. Esse é também o intervalo que concentra a maior quantidade de candidaturas em relação ao total: 143.834 candidatos dos dois sexos de um total de 463.377. (veja quadro completo ao final)

A explicação para a diminuição da representatividade política das mulheres na vida adulta está associada a uma série de fatores. Primeiramente, relaciona-se à divisão sexual do trabalho e aos ciclos de vida impostos a elas. Quando estão na “idade reprodutiva”, há amplas expectativas para que se tornem esposas e mães. Assim, elas enfrentam dificuldades para se envolver em atividades por conta da dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e trabalho doméstico), que absorve tempo e energia. A militância política implica ainda numa tripla jornada de trabalho.

Um segundo obstáculo está na organização patriarcal dos partidos. Há pouco interesse das legendas em priorizar (interna e externamente) projetos de interesses das mulheres. Isso faz com que elas sofram com a divisão desigual das verbas partidárias, do tempo de inserção em programas de rádio e TV. É algo que fica explícito quando vemos que os grandes partidos cumprem a cota de 30% de candidatas com apenas uma pequena margem.

Além desses fatores, persiste o fato de que muitos homens com carreiras políticas consolidadas conseguem facilmente se reeleger. A possibilidade de reeleição é um fator de conservação da composição de gênero/geração e um obstáculo à renovação das Câmaras de Vereadores.

A década de 2010 registra a maior população jovem da história do Brasil. Sem representatividade institucional ou acolhimento de suas reivindicações nos espaços de poder, os grupos juvenis estão também reinventando a forma de fazer política.

As ocupações de escolas, institutos federais e universidades são sinais de uma forte demanda por participação política nas decisões sobre seus temas. Não há mais volta. Ou o sistema político atual enfrenta uma reforma capaz de abrir espaço a Ana Júlia e a outras milhares de jovens ou seguiremos vergonhasamente mantendo os piores índices de igualdade de gênero no mundo no que tange à participação das mulheres na política. Enquanto isso não ocorre, a política institucional segue a passos largos e rápidos distanciando-se da população.

Eleições 2016: Candidat@s às Câmaras Municipais, por sexo e idade
Faixa Etária Homem Mulher Ambos os Sexos
Quant % Quant % Quant
Menor de 16 anos 2 100,0 0 0,0 2
18 a 19 anos 937 39,1 1.460 60,9 2.397
20 a 24 anos 7.862 50,5 7.709 49,5 15.571
25 a 29 anos 17.709 60,1 11.742 39,9 29.451
30 a 34 anos 32.192 65,0 17.320 35,0 49.512
35 a 39 anos 44.443 67,3 21.642 32,7 66.085
40 a 44 anos 49.700 69,0 22.315 31,0 72.015
45 a 49 anos 49.521 69,0 22.298 31,0 71.819
50 a 54 anos 44.284 68,5 20.345 31,5 64.629
55 a 59 anos 30.801 68,6 14.131 31,4 44.932
60 a 64 anos 18.530 68,9 8.383 31,1 26.913
65 a 69 anos 8.895 69,7 3.864 30,3 12.759
70 a 74 anos 3.500 71,2 1.417 28,8 4.917
75 a 79 anos 1.241 71,8 488 28,2 1.729
80 a 84 anos 342 68,4 158 31,6 500
85 a 89 anos 80 70,8 33 29,2 113
90 a 94 anos 15 65,2 8 34,8 23
95 a 99 anos 2 66,7 1 33,3 3
100 anos ou mais 6 85,7 1 14,3 7
Total 310.062 66,9 153.315 33,1 463.377

Fonte: TSE, 25/10/2016 13:49.

(*) Ismália Afonso é consultora do CFEMEA. Jornalista, é mestranda em Gênero, Sociedade e Política pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) da Argentina e desenvolve pesquisa sobre mulheres jovens.

(**) Patrícia Rangel é consultora do CFEMEA. Doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), realiza pós-doutarado na Universidade de São Paulo (USP), junto ao projeto 50 anos de feminismo: Brasil, Argentina e Chile.

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