Temos o conhecimento necessário sobre o que precisa ser feito e de como fazer
Neste ano de 2024, o tradicional mês de conscientização para prevenção e tratamento do câncer de mama e do câncer do colo do útero acontece sob uma mudança importante no combate à doença dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em junho, entrou em vigor a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), que estabelece diretrizes nacionais. Os números relativos aos casos específicos tratados durante a campanha Outubro Rosa desenham o tamanho do desafio da nova política.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) estimam que, somente em 2024, surjam cerca de 73,6 mil novos casos de câncer de mama no país. Isso representa um risco de 66,54 casos a cada 100 mil pessoas.
Embora seja o tipo que mais cresce entre mulheres, ele também pode acometer homens cis. Estima-se que 1% dos casos de câncer de mama ocorram nesse público, um dado que tende a aumentar com o crescimento geral da incidência.
Outra preocupação são os homens trans, já que ainda não há dados robustos sobre a prevalência nessa população. A ciência também precisa entender se há impactos dos tratamentos hormonais no possível desenvolvimento da doença.
O câncer do colo do útero deve atingir aproximadamente 17 mil novos casos por ano no triênio 2023-2025. Ele é o terceiro tumor mais incidente na população feminina brasileira, com uma taxa de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres.
Entre os pontos da resposta governamental que podem impactar diretamente no controle desse cenário estão as políticas de redução da incidência, a garantia de acesso ao cuidado integral, a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e a implementação de um sistema de dados para todo o território nacional.
Em conversa com o podcast Repórter SUS, a pesquisadora Viviane Esteves, mastologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), afirma que o ponto central das ações precisa ser a prática do que determina a legislação.
"Sabemos que medidas tomar. Temos que investir na prevenção primária, incentivar a mudança de hábitos de vida, garantir o diagnóstico precoce para aumentar as taxas de cura e oferecer tratamento rápido e adequado às pacientes. Temos o conhecimento necessário sobre o que precisa ser feito e de como fazer. Acredito que a nova política vá nessa direção, pois não adianta termos leis sem mecanismos eficazes de acompanhamento."
A ideia da ferramenta nacional é auxiliar as autoridades de saúde no registro de casos suspeitos e confirmados e estabelecer critérios mais rigorosos de acompanhamento, desde a entrada na fila de espera para consultas até os procedimentos de diagnóstico e tratamento.
Na conversa com o podcast, a pesquisadora pontuou que o sistema também pode ser uma garantia de que pacientes tenham acesso a todos os direitos e prazos estabelecidos pela legislação. Mas é preciso estabelecer núcleos de monitoramento.
"Não adianta fazer um sistema de navegação, só colocar a paciente no sistema e deixar para lá. Na realidade, você tem que ter um núcleo que monitore. O ideal é que esse núcleo seja coordenado por profissionais de saúde que estejam a par de toda a legislação, de todos os direitos e os prazos que essa paciente tem que seguir."
Prevenção
A nova política reforça a importância de medidas preventivas. No caso do câncer de mama, estima-se que cerca de 17% dos casos possam ser evitados. Essa prevenção envolve uma combinação de fatores e hábitos que passam pelos cuidados individuais, mas também por investimento em saúde pública e na qualidade de vida da população.
Entre as medidas cotidianas estão a prática de atividade física, manutenção de peso saudável, limitação do consumo de álcool e cigarro e uma alimentação saudável. A amamentação também é considerada um fator protetor.
A realização anual da mamografia é recomendada para pessoas com mais de 40 anos pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). Já o Ministério da Saúde segue a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera a periodicidade essencial após os 50 anos.
Além das recomendações gerais, o procedimento é indicado para quem tem menos de 40 anos em situações específicas, como a suspeita de síndromes hereditárias, a presença de nódulos palpáveis, histórico familiar de câncer de mama antes dos 50 anos ou casos de câncer de mama em homens.
"A descoberta precoce realmente é a chance de cura. Por isso, não podemos perder tempo, temos que informar. Costumo dizer às minhas pacientes que não podemos ter medo, porque o medo não ajuda no diagnóstico precoce", alerta Viviane Esteves.
A pesquisadora destaca a importância da mamografia nesse processo. "Antigamente, falávamos muito do autoexame, da mulher ter que se examinar, se tocar, mas o que vemos na realidade é que o autoexame diagnostica tumores já palpáveis. Nosso objetivo é diagnosticar a doença assintomática, aquela em que você ainda não percebe os sintomas. A mamografia é o exame que realmente consegue diagnosticar o câncer precoce assintomático. É nela que temos que insistir, é ela que temos que indicar."
Já para o câncer do colo do útero, a prevenção primária está ligada à redução do risco de contágio pelo Papilomavírus Humano (HPV). Ele é transmitido por contato direto com a pele ou mucosa infectada, principalmente por vias sexuais.
A vacinação contra o HPV, disponível gratuitamente no SUS para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, também é essencial para conter o problema. Mulheres adultas devem realizar o exame Papanicolau anualmente, que aumenta as chances de detecção precoce.
Segundo Viviane Esteves, a imunização poderia interromper o aumento desse tipo de câncer. "Sabemos que o câncer de colo do útero tem uma evolução, na maior parte das vezes, um pouco mais lenta. Então temos tempo. É uma pena [que a doença aumente]. Já há países sem câncer de colo do útero. Então, conseguiríamos, diferente do câncer de mama, fazer ele não existir mais."
O Outubro Rosa deste ano, com o tema "Mulher: seu corpo, sua vida", é simbolizado por um abraço. A campanha já está em veiculação em diversos meios de comunicação. A ideia principal é reafirmar o protagonismo feminino com valorização do autocuidado.
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz.
Edição: Martina Medina