Quase lá: Belo Monte desestruturou um ecossistema e as vidas de indígenas, ribeirinhos e pescadores

Obra de R$ 19 bilhões alterou o curso do rio Xingu, deslocou dezenas de milhares de pessoas e matou espécies da flora e fauna locais.

A reportagem é publicada por ClimaInfo, 23-02-2024.

Desde novembro de 2021, a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, opera sem licença ambiental, que venceu na ocasião. Desde então, a Norte Energia, dona da usina, tenta aqui e ali passar uma imagem de bom-mocismo e “limpar” um projeto que, além de ineficiente em termos de energia, provocou impactos ambientais e sociais profundos. Basta ir até a região para verificar.

Foi o que fizeram Jamil Chade e Camille Lichotti, do UOL. Em idas a Altamira, no Pará, em novembro e dezembro do ano passado, eles entrevistaram moradores, indígenas e ribeirinhos, que dizem viver uma “guerra pela água”. A cidade foi uma das mais impactadas pelas obras da megausina.

O projeto, que custou R$ 19 bilhões, alterou o curso do rio Xingu, deslocou dezenas de milhares de pessoas e provocou a morte de espécies da flora e da fauna locais – mais de 85 mil peixes entre 2015 e 2019, segundo o Ministério Público Federal. Moradores assistiram a invasão de madeireiros ilegais e a transformação dos rios. E reclamam da falta de assistência da Norte Energia e do poder público, que prometeu diálogo, mas, segundo eles, isso não ocorreu.

Há aldeias indígenas que vivem permanentemente no escuro. Linhas de transmissão que escoam a eletricidade de Belo Monte passam praticamente na porta de algumas comunidades, mas não entram. Em uma delas, o que existe é uma máquina a diesel fóssil – um total contrassenso, já que se trata de uma energia elétrica suja e muito mais cara que a hidrelétrica – fornecida pela Norte Energia e que funciona apenas por algumas horas por dia.

A operação da usina obedece o regime de cheias e secas do rio Xingu, e por isso gera cerca de 4.000 MW médios, apesar de ter capacidade instalada de cerca de 11.000 MW. Por isso, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, afirma que os alertas sobre as variações hidrográficas deveriam ter repercutido mais na decisão de construí-la. Ainda mais porque o preço ambiental e social foi alto demais.

O fato é que comunidades ribeirinhas, vilarejos e aldeias indígenas lidam diariamente com as consequências de Belo Monte, que são visíveis por toda parte. É o caso de Raimundo Braga Gomes. “O rio era meu pai e minha mãe. Hoje, tudo acabou.” Pescador por cinco décadas na região, ele disse que não foram apenas os peixes que sumiram. Sua vida, como conhecia, desapareceu.

Ele e centenas de moradores da região de Volta Grande do Xingu tiveram de sair de suas casas para dar lugar às obras de Belo Monte. Raimundo foi colocado num bairro afastado de Altamira, construído para abrigar as pessoas removidas. Ao lado da reportagem, ele visitou o que é conhecido hoje como cemitério da floresta, ou paliteiro, uma área alagada pela barragem. “Isso era a coisa mais bonita que existia. Nem pássaro mais voa sobre o rio. Vão comer o quê?”, lamentou.

Enquanto isso, em mais uma ação para justificar o injustificável, a Norte Energia está divulgando um estudo, feito pela COPPE/UFRJ, que mostra que Belo Monte é a hidrelétrica mais eficiente da Amazônia em termos de emissões de gases de efeito estufa, informa O Globo. Entretanto, André Oliveira Sawakuchi, professor do Instituto de Geociências da USP e membro do Observatório da Volta Grande do Xingu, ressalta que a quantidade de emissões de GEE das hidrelétricas depende de fatores como o tipo de rio e a geografia, e que ninguém sabe exatamente quanto são as emissões reais desses projetos.

Em tempo: A Eletrobras acaba de perder o direito de realizar estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE) para a construção de três grandes hidrelétricas – Jamanxim, Cachoeira dos Patos e Cachoeira do Caí – na região amazônica, conta André Borges no Brazilian Report. O complexo de usinas seria construído no rio Jamanxim, um dos principais afluentes do rio Tapajós, no Pará, e teria capacidade total instalada de 2.200 MW. Pelo projeto original, a instalação das hidrelétricas iria inundar Áreas Protegidas da Amazônia, incluindo Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Algo que Belo Monte é exemplar em mostrar que não deve nunca mais ser feito para garantir o abastecimento elétrico.

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